SÔ-ESSA!



 

Para minha irmã Eny

 

Havia uma brincadeira,

Que minha irmã inventara,

Pequenininha eu era,

E no sofá eu sentava,

Com as perninhas pra cima,

O chão elas não tocavam.

 

A revista da época

No colo a gente botava.

Passava devagar as folhas,

Quando a figura apontava...

Batíamos a mão com força:

"Sô-essa!!!" a gente bradava.

 

E quem gritasse primeiro

Era a magrela Twiggy.

Ou "desfila Mila desfila",

Ou quem sabe Barbarella,

Raquel Welch, Miss, artista.

Obviamente a mais rápida,

Era linda, a mais bonita,

Modelo da tal revista.

 

A gente gargalhava, ria...

Era aquela alegria!

Só que eu boba, não sabia,

Nem desconfiava enfim,

Que minha irmã já havia

Folheado o magazim.

 

Ela já sabia a página

Aonde tinha uma guerra,

Perereca, cacatua,

Ou uma briga de rua.

Eu gritava: "Sô-essa!"

Quando me deparava,

Com uma figura indigesta.

Ela inerte, calava,

"Sô-essa" ela não gritava.

 

Eu queria ser modelo, gente,

Não Fidel, macaco ou enchente!

Decepcionada eu ficava,

Aos prantos Vovó chamava.

Minha irmã rindo, pra mim,

O dedo em riste apontava.

Meus profundos sentimentos,

Assim ela magoava,

Pois brincadeira de "Sô-essa"

Muito a sério, eu levava.

Vó acabava com a farra,

Todas duas dispersava.

 

Mas noutro dia eu esquecia,

Do chororô que aprontara.

Era só minha irmã falar,

(Eu era boba à bessa),

"Vamo brincá de Sô-essa"!

Que no sofá eu pulava.

 

Precisava coisa pouca:

Duas "menina" à toa

Cruzeiro ou Manchete nova,

Que ficava meio rasgada...

Mãe lia revista rota.

 

Até hoje não sei de brincadeira igual.

Pra brincadeira inventada, até que era legal!

Em dia de chuva na quadra, mantinha a gente ocupada.

Longe dos perigos da rua ou de qualquer outro mal.

 

Brincadeira de "Sô-essa" continua na lembrança.

Das brincadeiras divertidas, que habitaram nossa infância.

Criativas, inventávamos maneiras de ser criança.

 

*EU SOU ESTA - seria a forma correta de denominar a brincadeira, pois a gente queria ser a figura da revista... mas quem se importa!

 

@2008 Vania Amadeu

 
 

 

Bulimia Literária

"Minha pátria é minha língua"
...O que quer
O que pode
Esta língua? (Caetano Veloso-Língua)


Tenho a minha língua

Na ponta da minha língua.
Circula nela inquieto, meu idioma.
Palavras me alimentam, tenho fome.
Não faz mal que eu as coma,
Devoro-as de livros, engolindo-as ávida,
Mas sofro de bulimia literária.
Regurgito no papel sílabas, palavras,
Que estavam presas na garganta...
E lá se vai a minha janta.
Forço-me a escrever, a declamar me meto...
Jorram poças de palavras em versos,
e em estrofes de sonetos.